Esta matéria foi publicada no caderno Prosa & Verso no 13/02/2010, e eu amei o que dizia. Demorou um pouco (porque eu sou um desastre com o escaner, como vocês vão perceber na figura que será incluída neste post quando meu pc deixar – o que não deve ser hoje), mas aqui está o longo e interessante texto. Boa leitura!!!
Bacci!!!
Beta
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Fantasia e juventude
De ‘Alice’ a ‘Percy Jackson’, como a literatura fantástica dominou a cultura pop
Por André Miranda
Um menino de óculos descobre ter poderes mágicos, entra num trem que o leva a um colégio estranho e precisa lidar com adultos malvados. Quatro jovens irmãos se escondem na casa de um professor, entram num guarda-roupa que os leva a um universo fantástico e precisam lidar com adultos malvados. Uma ado-lescente tímida se apaixona por um garoto pálido da escola, entre numa disputa milenar entre vampiros e lobisomens e precisa lidar com adultos malvados. E, por fim, um menino disléxico é atacado pela professora de álgebra, entra num acampamento para semideuses e precisa lidar com adultos malvados.
Além de oporem jovens e adultos numa mistura de realidade e fantasia, “Harry Potter”, “Crônicas de Nár-nia”, “Crepúsculo” e “Percy Jackson” têm em comum o fato de terem se tornado séries de sucesso, com milhões de leitores para seus livros e espectadores para seus filmes. A última década foi marcada por essas séries e seus heróis, todos criados pela literatura e adaptados para o cinema, fazendo com que um gênero surgido há mais de cem anos, coroado por histórias como as de Alice e Peter Pan, predominasse na cultura pop contemporânea.
– Os tempos andam muito difíceis, então acho que os filmes de fantasia se comunicam com as pessoas que gostam de ir ao cinema para imergir em outro mundo e se esquecer de seus problemas por duas horas – afirma em entrevista ao GLOBO o cineasta Chris Columbus, diretor dos dois primeiros filmes da franquia “Harry Potter” e de “Percy Jackson e o ladrão de raios”, filme baseado nos livros de Rick Riordan que estre-ou ontem no Brasil. – As crianças adoram ver protagonistas da sua própria idade. Elas cresceram com o Harry Potter. São raras as oportunidades de se poder acompanhar um personagem de 11 anos até ele virar adulto. É por isso que os livros fizeram sucesso, pela possibilidade de o leitor se perder naquele universo. Minha filha começou a ler “Harry Potter” quando também estava com 11 anos e nunca mais parou. Prova-velmente há milhões de fãs em situação parecida.
Cinema é caminho natural para séries
‘Leitores jovens gostam de fugir da realidade para se aventurar num universo de fantasia’, diz Rick Riordan
A partir de “Harry Potter e a pedra filosofal” (1997), a escritora inglesa J. K. Rowling lançou um total de sete romances (publicados no Brasil pela Rocco), tornando-se a primeira mulher bilionária da história da literatu-ra. A cada nova edição da série – a conclusão veio com “Harry Potter e as relíquias da morte”, de 2007 -, leitores adoitos se acotovelavam nas livrarias ansiosos por saber o que aconteceria com o pequeno inglês que herdou poderes mágicos de seus falecidos pais.
Mas J. K. Rowling não criou um novo gênero literário. O irlandês C.S. Lewis lançou, entre 1950 e 1956, sete livros sobre quatro irmãos que, durante a Segunda Guerra Mundial, descobrem uma passagem mágica num armário e são transportados para um reino de fantasia. Eram “As crônicas de Nárnia” (editora Martins Fon-tes). Mesmo antes de Lewis, as aventuras do centenário Peter Pan, personagem de J. M. Barrie, nada mais eram do que histórias de uma garota londrina (Wendy) que recebe as visitas de um guri voador (Peter) e sua fada (Sininho), viaja com seus irmãos para a Terra do Nunca e tem que encarar adultos malvados (Ca-pitão Gancho e seus piratas). O desejo de Peter e seus Meninos Perdidos de não envelhecer representa bem uma das características das histórias do gênero: a inocência juvenil é sempre posta em contraponto à malícia e à necessidade de assumir responsabilidade dos adultos.
Seguindo a trilha mágica de Alice e Peter Pan
Ainda mais antiga, a Alice de Lewis Carroll (que recentemente ganhou uma edição caprichada pela Cosac Naify) foi criada em 1865 como uma menina que caía num buraco de coelho ou atravessava um espelho e ia parar no País das Maravilhas. Os gritos de “Cortem-lhe a cabeça!” da (adulta) Rainha de Copas contra Alice não são muito diferentes das investidas dos vampiros malvados contra o pescoço da mocinha Bella Swan na série de quatro romances “Crepúsculo” (Intrínseca), lançada entre 2005 e 2008 pela americana Stephenie Meyer. Ao se mudar de uma metrópole para uma pacata e fria cidade do interior, Bella passa a ser disputada por vampiros e lobisomens ao mesmo tempo em que tem que frequentar a escola. Ela é o exemplo extremo da mistura entre o mundo real e a imaginação.
– Leitores jovens gostam de fugir da realidade para se aventurar num universo de fantasia. É mais divertido ler sobre pessoas fazendo coisas incríveis como conjurar feitiços e cavalgar dragões do que sobre ativida-des mundanas como ir para a escola. As crianças já conhecem bem suas próprias vidas. É bacana, de vez em quando, se imaginar como alguém diferente — afirma o professor e escritor americano Rick Riordan, autor da série “Percy Jackson”, em entrevista ao GLOBO.
Depois dos sucessos recentes de “Harry Potter” e “Crepúsculo”, Riordan se tornou o nome da vez na litera-tura infantojuvenil ao publicar, entre 2005 e 2009, cinco romances sobre um menino com problemas de a-tenção na escola e que, certo dia, descobre ser filho do deus grego Poseidon. “A batalha do labirinto”, quar-to volume da série Percy Jackson e os Olimpianos, está sendo lançado no Brasil este mês, pela Intrínseca.
– Tentei elaborar uma trama que tivesse apelo para meus próprios alunos. Me imaginei contando a história para eles em voz alta. Isso me ajudou a torná-la mais interessante, ágil e bem humorada – conta Riordan, que dava aulas de inglês e história em São Francisco. – Os elementos de uma boa trama são os mesmos tanto para crianças, quanto para adultos. Você precisa de personagens com quem se preocupar, um enredo atraente e alguns toques de humor e ação. É dar ao leitor motivos para virar a página. Eu li muitas histórias de fantasia. Tolkien foi uma das minhas primeiras influências. Também gosto do trabalho de Philip Pullman e de Harry Potter.
O britânico J. R. R. Tolkien escreveu, entre os anos 1930 e 1950, livros que ficaram mundialmente conheci-dos por fundarem um universo de fantasia inteiramente novo. Tanto em “O hobbit” quanto na trilogia “O Senhor dos Anéis” (Martins Fontes), os protagonistas não são adolescentes como nas outras séries infanto-juvenis. Mas eles, os hobbits, se assemelham a crianças pela baixa estatura e o físico franzino em compa-ração às outras raças da fictícia Terra Média. Desde sua publicação, “O Senhor dos Anéis” virou referência no gênero, tanto que sua terceira adaptação para o cinema, “O retorno do rei”, foi o único filme de fantasia a receber o Oscar de melhor longa-metragem nas 81 edições do prêmio.
Mas não se deve acusar os estúdios de cinema de serem ingratos e apenas sugarem a essência dos ro-mances de fantasia sem dar nada em troca. Se por um lado Hollywood se aproveita da popularidade das séries para vender ingressos, por outro os livros passam a fazer ainda mais sucesso depois de chegarem às telas. É uma bola de neve que aumenta progressivamente – o terceiro capítulo de “Crepúsculo” estreia em junho; o sétimo “Harry Potter”, em novembro; e o terceiro “Crônicas de Nárnia”, em dezembro – e com os bonecos, jogos, camisetas e qualquer subproduto que essas franquias podem criar. Até mesmo perso-nagens antigos não deixam de habitar o imaginário: a versão de Tim Burton para “Alice no País das Maravi-lhas” chegará aos cinemas no dia 23 de abril.
Nem sempre, porém, a equação “livro + filme + sucesso” dá certo. Citado por Riordan como referência, o in-glês Philip Pullman é o autor da trilogia “Fronteiras do universo” (Objetiva), sobre uma mocinha de 12 anos que vive numa realidade alternativa controlada por um poderoso grupo religioso. Seu primeiro volume, “A bússola de ouro”, de 1995, foi adaptado para o cinema em 2007. Mas, apesar do elenco estrelado que inclu-ía Nicole Kidman, Daniel Craig e Eva Green, o filme fracassou e suas possíveis continuações foram cance-ladas. Curiosamente, o diretor de “A bússola de ouro” é Chris Weitz, o mesmo de “Lua nova”, segundo filme da série “Crepúsculo”, que estreou no fim de 2009 e se tornou um dos principais blockbusters do ano.
– Eu acho que um dos problemas do filme “A bússola…” foi não ter entrado diretamente nos temas do livro do Pullman. Mas é muito fácil apontar as razões para um filme dar errado depois de que ele é lançado. Se tivéssemos a resposta, faríamos tudo do jeito correto logo – diz o diretor Chris Columbus.
O interesse de Columbus pelo tema é grande não apenas por ele ter dado o pontapé inicial para a série “Harry Potter” no cinema, em 2001, mas também por estar mais uma vez se embrenhando num universo fantástico, com “Percy Jackson e o ladrão de raios”. Para o diretor, é um ciclo que se fecha, quase dez anos depois de um período em que a fantasia adolescente dominou a cultura pop. Ou, quem sabe?, pode ser outro ciclo que começa.
– Dizer que “Percy Jackson” será tão bem sucedido quanto “Harry Potter” pode me trazer azar (risos). É um filme feito especialmente para jovens com idade entre 11 e 17 anos e são esses que vão dar o destino da história. Mas eu estou ansioso para que tudo dê certo e possamos logo rodar uma continuação – afirma Columbus.