Ok, estava vagando pela internet e simplesmente não resisti. Isso aqui se parece tanto comigo que não resisti em puxar pra cá…
Já comentei em outros posts que adoro o Zeca Camargo. E não esperava ter isso aqui em comum com ele…
Fonte
“30/08/2007
É fácil matar
Quando, no post anterior, perguntei inocentemente a você por onde eu deveria começar a reler Agatha Christie, fiquei torcendo para ninguém indicar o meu favorito entre todos os livros da autora – um que não está exatamente entre os mais famosos ou populares, mas que é, para mim, o mais surpreendente.
Surpresa é, quando se fala de Agatha Christie, um elemento fundamental. Quando você avança para seu terceiro ou quarto livro – nunca conheci alguém que tenha lido apenas um -, já está praticamente acostumado com a idéia de que vai ser surpreendido pela engenhosidade do criminoso revelado nas páginas finais. Motivos, álibis, armas – isso toda história policial tem. Mas as de Agatha Christie ainda tem algo mais: esse elemento surpresa que, quando finalmente é apresentado, você tem vontade de largar o livro e dizer: “não é possível!”.
Foi assim desde o primeiro que eu li. Me lembro de estar na sexta série (o que era sexta série no meu tempo… sou velho…) – e me lembro bem disso porque tenho o registro da professora que me pegou lendo o livro na aula (bem como a lembrança do susto e da bronca que eu levei): tenho certeza de que ela era da sexta série, quando eu tinha 11 anos. O livro era “O misterioso caso de Styles” – e se você acha que eu era um pouco precoce para entrar “no mundo do crime”, tive a grata sensação, fuçando na internet, de que não fui uma exceção. Duvida? Então entre nesse site com dicas de leituras de e para pré-adolescentes e veja a recomendação do Bruno, de Pelotas – também de 11 anos…
A bronca da professora não é, porém, a única lembrança. Me lembro também do prazer de desvendar (por tabela) aquele crime, da impecável atmosfera inglesa que todos os capítulos evocavam (mesmo quando o protagonista era um certo detetivezinho inegavelmente belga!), da minha incapacidade de parar de ler – e sobretudo do frisson de pensar que eu estava lendo um “livro de adulto”… Sim, porque Agatha Christie, entre tantos méritos, ainda é a responsável por iniciar milhões de crianças e pré-adolescentes no mundo que, se não é exatamente o da literatura, pelo menos é um que certamente não se encaixa muito bem na definição de “livro infanto-juvenil”.
Com raras exceções, todos os personagens criados pela autora são adultos, circulam no mundo dos adultos, falam como adultos – e, claro, cometem crimes de adultos. Ao mesmo tempo, o magnetismo de sua narrativa não é dirigido exclusivamente aos adultos. Basta gostar de acompanhar uma história bem contada – e pronto! Quando você vê, já está no capítulo 17…
“Styles”, mesmo com toda essa carga de lembranças que evoca, não é meu livro favorito da autora. A surpresa no seu final é boa, mas aos poucos fui conhecendo outras ainda mais geniais que ela tinha elaborado. Vinha de qualquer aspecto da história: o motivo do crime (um noivado rompido na adolescência); o álibi do assassino (pensou em “O caso dos dez negrinhos”?); a banalidade de algumas mortes (“Tragédia em três atos”, talvez?); as maneiras de despistar a investigação (“Morte na praia” é exemplar nisso); a escolha do cenário para um homicídio (“Assassinato no campo de golfe”, “Um corpo na biblioteca” – entre tantos); na simples expectativa de um crime (“Convite para um homicídio”, lembra?); a maneira de encaixar a narrativa numa referência já conhecida (“Os doze trabalhos de Hércules” ou “Os cinco porquinhos”); ou mesmo o conjunto da obra (nem preciso comentar a monumentalidade de “Assassinato no expresso do oriente”, preciso?).
Já tendo passado por todos os títulos acima, eu já era um leitor acostumado a esse tratamento – a tramas que não apenas estimulam seu poder de dedução mas também respeitam sua inteligência. Quando então me deparei com esse meu título favorito e que, para minha surpresa, foi citado logo de cara, no primeiro comentário do post anterior (assinado por Samuel), e depois lembrado por mais duas pessoas. Bom… talvez esse meu segredo não seja assim tão… secreto! Mas percebo que estou fazendo um suspense digno da própria Agatha Christie para falar que livro é esse… Então lá vai: o melhor livro da autora, na minha opinião, é “O assassinato de Roger Ackroyd”.
Quem já o leu, sabe que agora estou diante de um problema: não posso comentar nada do livro, senão vai estragar essa que é das maiores surpresas que a autora já preparou. Não se trata de um simples “spoiler”, tipo: Hercule Poirot se associa ao doutor Sheepard para desvendar um mistério. Dizer porque eu gosto tanto de “Roger Ackroyd” seria não um mero estraga-prazeres, mas um insulto à própria memória de Agatha Christie. É um dos seus primeiros livros – é de 1926, enquanto que seu romance de estréia, que foi também minha iniciação no mundo “agathachristiniano”, “O misterioso caso de Styles”, é de 1920. Mesmo assim, acho que nada que ela escreveu depois – apesar de a lista conter alguns clássicos da autora – é tão eficiente no quesito surpresa.
Porém, ninguém lê Agatha Christie simplesmente em função da surpresa. Seu talento em nos cativar vai além disso – e eu diria até que sua qualidade principal é a de manter o leitor preso a cada capítulo, a cada página. Uma lição que, como já citei na semana passada, J.K. Rowling soube muito bem aproveitar (aos que chegam um pouco atrasados à discussão vale esclarecer que só pensei em escrever sobre Agatha Christie por causa de… Harry Potter! Para entender a evolução do assunto, comece por aqui). Lição essa, que vaza inclusive para outras mídias – ou você acha que Gilberto Braga empresta de quem quando, ao escrever as cenas da morte da Taís, em “Paraíso tropical”, coloca um motivo para assassiná-la na boca de cada personagem principal da novela?
Mesmo em seus romances policiais mais fracos (e por mais fraco quero dizer aqueles que têm soluções fáceis demais, ou que não se aprofunda demais nos personagens – porque, oficialmente, para um fã como eu não existe nada realmente fraco que ela tenha escrito), a isca é colocada logo de início, e é quase impossível que um leitor abandone a história depois de tê-la mordido. A fórmula não foi inventada por ela – mas ninguém a aproximou tanto da perfeição como Agatha Christie. Ao reler, nesta semana, um de seus trabalhos, tive a prova final disso.
Escolhi “É fácil matar” quase que por acaso. Entrei numa boa livraria, no Rio, e fui ver o que eles tinham da autora na prateleira. Muito pouco, para a minha decepção – “Roger Ackroyd”, por exemplo, está em falta. Com a escolha reduzida, fiquei entre dois dos títulos cuja história eu me lembrava muito pouco: “Por que não perguntaram a Evans?” e “É fácil matar”. Mesmo lendo a sinopse na contracapa da cada dos dois, tinha a impressão de nunca tê-los lido – o que era impossível, já que passei pelos 66 títulos da coleção completa na minha adolescência (meu pai às vezes se esquecia e me trazia um repetido, da elegante edição dos anos 70 da Nova Fronteira, que eu discretamente ia trocar no dia seguinte na livraria Mestre Jou, na rua Augusta… só uma pequena reminiscência, se me permite). De “Evans”, porém, eu me lembrava da cena do assassinato (que dá o nome à obra), e assim fiquei com o outro título.
A frase, tão simples e tão boa, é de uma certa Miss Fullerton – que morre logo depois de dizê-la a um ex-policial aposentado durante uma viagem de trem a Londres. Sem o brilho de Poirot nem a intuição fantástica de Miss Marple, “É fácil matar” é construído sobre um motivo mais que sórdido para uma série de crimes – que, como sempre, só é revelado no final. Durante toda a leitura, não havia jeito de eu me lembrar o que estava por trás daquelas mortes aparentemente acidentais – e, talvez por isso, foi tão bom ter escolhido este livro para reler e me preparar para essa coluna.
Apesar de ser um romance menor da autora, “É fácil matar” me fez passar por todos aqueles estágios que se experimenta com um livro de Agatha Christie: apresentação do crime, descrição dos suspeitos, construção dos possíveis motivos, checada nos álibis, culpado mais provável… tudo no caminho para que você chegue à conclusão antes de quem está investigando tudo no livro. Só que a conclusão que você chega é, invariavelmente errada. No caso desse livro, descobri o que motivava os crimes com certa antecedência – mas chutei feio quanto ao culpado, e errei. Só não fiquei decepcionado porque esse é o jogo mais delicioso de se entregar: brincar de quem é mais esperto com ninguém menos do que aquela que o livro “Guinness” dos recordes diz que é a autora que mais vendeu livros em todos os tempos (dois bilhões está bom para você?).
Entusiasmado com esse recomeço, peguei, também ao acaso numa prateleira esquecida na minha casa, “Nêmesis” (que meu corretor ortográfico insiste em assinalar – erroneamente – que não existe na nossa língua…). Também me lembrava pouco desse ótimo enredo (um conhecido de Miss Marple, propõe, depois da sua morte, que a “velhinha bisbilhoteira” desfaça uma injustiça do passado), comecei a relê-lo displicentemente e, pronto! Estou novamente “viciado” em Agatha Christie… Isso quando a pilha de livros de outros autores que eu tenho vontade de ler só aumenta…
Autores “da moda”, clássicos brasileiros, literatura contemporânea, outras histórias tristes que eu gosto tanto – tudo isso pode esperar, pois agora eu tenho uns crimes para resolver… Ia terminar por aqui, mas já comecei a pensar nos engraçadinhos de plantão, sempre postos a dizer: “nossa, um cara como você perdendo tempo com algo tão popular como Agatha Christie?”. Se você ouvir alguma coisa nesse sentido, faça como eu: não ligue… Estou meio cansado de conhecer gente assim… o que me lembra uma cena num dos lançamentos de um dos meus livros… Tem tempo para mais uma história?
Rapidinho: há uns dois anos, eu contava, numa palestra, numa certa Bienal do Livro (não vou dizer qual…), que estava encantado com o fato de muitas pessoas na fila de autógrafos e confessarem que esse era o primeiro livro que elas estavam lendo na vida. Eu realmente achei isso o máximo, mas na hora do debate com a platéia, um cara me perguntou se eu não tinha vergonha pelo fato de que algumas pessoas se iniciarem na leitura com um livro escrito por um apresentador de televisão…
Bem, a resposta inteira que eu dei para ele fica para outra hora, pois deixaria este post ainda mais longo (e um pouco mais… indignado). Mas vou apenas dizer que, tentando ser elegante, disse a ele que não importava a porta de entrada, mas sim que ela iniciasse alguém nesse universo maravilhoso que é o dos livros. Ora ora…
Quer começar por onde? Agatha Christie? Este que vos escreve? Romance de banca de revista? Resumo de clássicos para a prova da escola? “A vaca voadora” (essa é do meu tempo)? “O gênio do crime” (outro do meu tempo de colégio…)? Paulo Coelho? J.K. Rowling? O que importa? Depois disso tem muita gente te esperando: Dave Eggers, Joaquim Manuel de Macedo, Nadine Gordimer, Manuel Puig, Patricia Highsmith, Guimarães Rosa, Roberto Bolaño, Martin Amis, Sérgio Sant’Anna, Jonathan Safran Foer, David Sedaris, Nabokov, Juan José Saer, Osman Lins, Clarice Lispctor, Jonathan Frazen, Machado de Assis, Banana Yoshimoto, Caio Fernando de Abreu, Chordelo de Laclos, Zadie Smith, Julio Cortázar – e tantos e tantos e tantos… Não quer me ajudar a continuar essa lista para responder ainda melhor a gente como o tal cara que eu encontrei naquele debate?
Zeca Camargo”
Adoro Agatha Christie! Foi amor à primeira vista quando tinha 11 anos!
Leio e releio, até hoje,com o mesmo deslumbramento . Adorei este blog! Foi uma surpresa e tanto descobrir que o mundo gira e as mulheres continuam umas românticas incuráveis.
Devo à Agatha Christie minha enorme paixão pela literatura. O caso dos dez negrinhos me fascina até hoje e é o meu preferido. Confesso que foi muito bom poder ler este post e saber que muita gente tbm tebe o enorme prazer de ler suas obras. Fantástico todo o comentário do Zeca.
Bjoss