Ciao!
A vergonha é um sentimento ou uma experiência intensamente dolorosa de acreditar que somos inadequadas e, portanto, indignas de aceitação ou de acolhimento. As mulheres costumam experimentar a vergonha quando se veem emaranhadas numa teia de múltiplas camadas de expectativas sociocomunitárias conflitantes e antagônicas. A vergonha cria sentimentos de medo, recriminação e desconexão.
“A vergonha vem de fora – das mensagens e das expectativas de nossa cultura. O que vem de dentro é uma necessidade muito humana de pertencimento e de relacionamento.”
“Nossa cultura nos ensina sobre a vergonha – é ela que dita o que é aceitável e o que não é. Não nascemos ansiando por corpos perfeitos. Não nascemos com medo de contar nossas histórias. Não nascemos com o medo de envelhecer demais e acabarmos não sendo mais valorizadas”.
(…) Ao vivenciar a vergonha, reagimos com todo o nosso ser. Trata-se de uma experiência que afeta a forma como sentimos, pensamos e agimos, e, com frequência, apresentamos uma forte reação física diante da vergonha. Em outras palavras, a vergonha é uma emoção de fundo – ela nos atinge no cerne e irradia por todo nosso ser.
Por meio de vários expedientes, a “cultura da vergonha” faz com que as mulheres se sintam desconfortáveis na própria pele, por nos tornarmos reféns de uma expectativa irreal imposta pelos outros ou por nós mesmos.
A vergonha desfaz nossa conexão com os outros. De fato, costumo chamá-la de “medo da desconexão” – o medo de ser percebida como inadequada e indigna de aceitação ou acolhimento. A vergonha nos impede de contar nossas histórias e de ouvir as pessoas contarem as suas. Silenciamos nossas vozes e guardamos nossos segredos por medo da desconexão.
Por isso é necessário entender que, sim, a “cultura da vergonha” é organizada por gênero. Os fatores que desencadeiam o processo nas mulheres são bem diferentes do que ocorre com os homens (no caso deles, o fator opressor principal é nunca aparentar ou ser fraco, conforme pontos já percebidos em um estudo específico que estava em andamento na época que o livro foi escrito). E isso aparece em todo o entorno, reforçada em todas as opções de mídia possíveis.
As mulheres com frequência experimentam a vergonha como uma teia de expectativas sociocomunitárias, formada por camadas conflituosas e contraditórias. Tais expectativas ditam: quem devemos ser, o que devemos ser, como devemos ser. “Definirei quem você é e então farei com que acredite que essa definição é de sua autoria.” Essa explicação estarrecedora [da psicóloga Robin Smith] captura o que a vergonha faz conosco. Ela nos obriga a botar camisas de força designadas pelo gênero e depois nos convence de que nós a vestimos sozinhas e que gostamos de usá-las. Como nós, eles [os homens] experimentam a vergonha como o sentimento ou experiência intensamente doloroso de acreditar que somos inadequados e que, portanto, não somos dignos de aceitação ou acolhimento. Para os homens, tudo se centra em torno da masculinidade e do que significa “ser um homem”. Para os homens, tudo se centra em torno da masculinidade e do que significa “ser um homem”. Em outras palavras, como experimentamos a vergonha pode ser igual, mas “por que experimentamos a vergonha” é bem diferente.
O Dicionário Merriam-Webster define poder como “a capacidade de agir ou de produzir um efeito”. O poder verdadeiro é basicamente a capacidade de modificar algo que se quer modificar, de promover mudanças. O poder verdadeiro existe em quantidade ilimitada – não é preciso brigar por ele. E o bom é que temos capacidade de criá-lo. Ele não nos obriga a tirar nada de ninguém – é algo que criamos e construímos com os outros.
Ao optar – e principalmente PRATICAR – pela mudança, identificando os gatilhos da vergonha, buscando pessoas a quem recorrer para analisarmos de forma ampla a situação e identificar aspectos positivos que levam à superação, entendemos o problema, os impactos e, olhem
só, a importância de não fazer isso com ninguém. Ou seja, despertamos a resiliência à cultura da vergonha.
“(…) refiro-me à capacidade de reconhecer a vergonha no momento em que a vivenciamos e passar por ela de uma forma construtiva, que nos permita manter a autenticidade e crescer a partir de nossas experiências. E nesse processo de enfrentar conscientemente a vergonha, é possível construir conexões mais fortes e mais significativas com as pessoas. Empatia é o antídoto mais forte para a vergonha. Não se trata apenas de suprir nossa carência de empatia. A resiliência exige de nós a capacidade de reagir aos outros com empatia. Mulheres com altos níveis de resiliência à vergonha sabiam ao mesmo tempo dar e receber empatia. (…) A empatia cria um ambiente hostil à vergonha, e ela não consegue sobreviver”.
Não é fácil. Existirão momentos difíceis, porque é nadar contra a maré do que é dito – seja assim, se vista assim, se comporte assim, não quebre o padrão, não seja estranha – e nem todos vão entender. Especialmente quem está próximo. Quanto mais entendermos de forma saudável nossas virtudes e defeitos, podemos nos aperfeiçoar como pessoas, libertar das amarras desta cultura que quer nos pasteurizar
por meio de expectativas irrealizáveis ao invés de valorizar o que cada um tem de melhor e de único.
Quando homens e mulheres se envergonham mutuamente e reforçam expectativas de gênero inatingíveis, a intimidade é assassinada. Se não conseguimos ser autênticos, não somos capazes de nos conectar de um modo significativo. Nossos relacionamentos se afastam da compaixão e da conexão em direção ao medo, à recriminação e à desconexão. Acho que ninguém deseja isso para si mesmo ou para nossos filhos.
Esse texto ficou enorme? Sim.
Basta reparar como essa cultura da vergonha está inclusive na base de vários romances – de banca, livraria, badalados ou não – que lemos.
Somos programados para a conexão. Ela está em nossa biologia. Como bebês, nossa necessidade é uma questão de sobrevivência. À medida que crescemos, a conexão significa prosperar dos pontos de vista emocional, físico, espiritual e intelectual. A conexão é crucial, pois todos temos a necessidade básica de nos sentir aceitos e de acreditar que pertencemos ao grupo e somos valorizados pelo que somos. Acredito que é possível criar uma cultura da conexão apenas fazendo escolhas diferentes. A mudança não exige heroísmo. A mudança começa quando praticamos a coragem comum.





