malucos (sossega, Mercúrio retrógado) – se tornou possível nesta semana para
ser publicada hoje, 24 de novembro.
Conta com as ilustrações de Elisa Carareto e a capa de Raquel Matsushita.
(se tiver chance, veja um espetáculo deles. Satisfação espiritual e afetiva garantida).
LdM: Como você recebeu a notícia da indicação ao prêmio Jabuti?
Júlia: Com alegria total! A indicação ao Jabuti é um marco para qualquer escritor brasileiro e ter acontecido no meu livro de estreia, em uma edição do prêmio que homenageia Conceição Evaristo, neste 2019, foi uma emoção muito forte. A Avó Amarela vem fazendo uma carreira bonita e sou muito grata também à FNLIJ que nos concedeu os prêmios de Escritora e Ilustradora Revelação, além do Selo Altamente Recomendável e a exposição da obra na Feira de Bolonha 2019; à Biblioteca Internacional da Juventude de Munique – Alemanha, pela seleção no Catálogo White Ravens; à Revista Crescer por nos contemplar na lista dos 30 Melhores Livros de 2018; à Bienal de Bratislava – Eslováquia, por expor o belíssimo trabalho de ilustração da Elisa Carareto; aos blogs Estante de Letrinhas e A Cigarra e a Formiga, que o elencou entre os 10 melhores de 2018 e a tantas outras instituições e veículos que vêm recomendando o livro. Faço questão de menciona-los porque há muita gente – mulheres, na maioria – comprometida com a causa da literatura infantil brasileira. Tem sido um ano de boas novas e a melhor delas é o contato com o público e estas iniciativas.
Júlia: Eu tinha decidido que queria escrever um livro. Já era compositora e contribuía também para as dramaturgias coletivas do Grupo Ponto de Partida, do qual faço parte. Depois de dias olhando para a página em branco e afastando as ideias mais familiares, combinei comigo mesma que não importava qual fosse a primeira frase, eu seria obrigada a continuar. E veio: “Na casa da minha avó – não a
Azul, a avó Amarela – tinha uma mesa que ocupava toda a varanda.” Apesar de saber que o resto estaria encharcado das memórias que eu tentava evitar, entendi que ali já existia literatura e abandonei o pudor de falar de algo tão explicitamente meu. Então acho que demorou minha vida toda até aquele momento. Eu sinto, às vezes, que algumas lembranças me marcaram por terem acontecido como literatura.
Júlia: Não me lembro exatamente, mas parte do livro foi escrita nas horas de folga da turnê que o Ponto de Partida fazia por cidades miudinhas do Maranhão e do Pará e que num dos dias meu pai ligou para contar que meu avô, marido da Avó Amarela, tinha morrido. Fiquei tristíssima, claro, e achei aquilo de uma coincidência absurda. Eu estava no meio do texto e me lembro até hoje daquele quarto de hotel. Foi como uma certeza de que aquela história precisava existir. Acho que não demorou para ficar pronta. Mas a revisei muitas e muitas vezes, inclusive acolhendo os pitacos de escritores amigos. O Avó é o resultado do encontro de gente muito apaixonada e empenhada no que faz. Eu, Elisa Carareto – ilustradora, Zeco – editor, Raquel Matsushita – designer e capista, levamos meses discutindo cada detalhe, refletindo sobre as possibilidades de casamento entre texto e imagem, decidindo cada vírgula, literalmente. Encontrar uma equipe tão competente e comprometida logo num primeiro trabalho, isto sim, foi uma grande sorte. Aprendi muito.
Júlia: Totalmente. Eu convivi muito com as minhas avós e me lembro vividamente dos momentos com elas, principalmente dos almoços de domingo, quando a família toda se encontrava. Me chama muito a atenção o papel da mulher na sustentação emocional e psicológica da família, sobretudo em estruturas mais patriarcais. De um lado, elas são o nó que amarra o clã, por outro, sofrem a falta de espaço para seus sentimentos. A obrigação de estarem sempre inteiras e serem só amor, de alguma maneira as desumaniza: avó entidade. Me surpreendeu o quanto eu percebia, ainda criança, os escuros que a rondavam. E como até hoje buscamos silenciar as ranhuras… mas, claro, isto tudo está nas entrelinhas, como em todo bom almoço de domingo. Afinal de contas, é um livro infantil, cheio de passagens divertidas, doces, poéticas e também algumas assustadoras…
Júlia: Muito legal! E o mais lindo é ver a diferença de comportamento entre adultos e crianças. Enquanto a meninada se diverte pelo estranhamento, os adultos se emocionam com a familiaridade. O “Avó” traça uma ponte entre gerações. Muita gente diz que chorou muito. Algumas, na minha frente! Há bastante identificação com as cenas, mas também tem gente que nunca teve vó e que diz que gostou de ganhar esta amarela. Já a meninada fica cheia de curiosidade e sai disparando um chumaço de perguntas. Acho que fizemos um livro de frivolidades preciosas.
Foto: Pablo Bertola |
LdM: Como é estrear como escritora com um livro indicado ao Jabuti? É incentivo para seguir nesta jornada?
Júlia: Demais! Quando você vê seu nome misturado ao dos seus ídolos, vê no seu livro o selo que tantas obras que você amou na vida carregava, você se sente na obrigação de seguir. Fui formada pela literatura, literalmente. Não tenho formação acadêmica, mas tive muito contato com excelentes livros e autores na minha infância, na escola Catavento, em São João del Rei. Na adolescência, eu lia dois livros por semana no colégio estadual e depois veio o Ponto de Partida com uma bagagem riquíssima de escritores brasileiros modernos e a honra de encená-los. Em toda esta trajetória, o contato com autores foi um estímulo imenso ao meu desejo de escrever. Então, além de seguir digitando, quero estar perto dos leitores, ouvi-los dizer aos que tenham um sonho como o meu para não desistirem.