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Cap. 240 – Minha maior saudade: Ayrton Senna

Hoje, 1o. de maio, completam-se 15 anos do dia mais triste da minha vida. Como muitos brasileiros, a fatídica curva Tamburello, do circuito de Ímola, marcou para sempre minha vida.

Como disse hoje a matéria do Globo Esporte, eu me lembro de onde estava, o que estava fazendo e como reagi. Era um dia de sol, céu azul. Eu estava assistindo a um desenho bíblico em outro canal – na época, eu ainda era catequista, e estava avaliando se poderia usar os desenhos em um dos meus encontros futuros. O desenho acabou e eu passei para a Globo. E vi o carro destroçado. A reação foi automática:

– Mãe, corre aqui. O Damon Hill bateu!

Damon Hill era um piloto inglês, na época, companheiro do Ayrton na equipe Williams. Claro que eu tinha certeza de que era qualquer um que teria batido. Ayrton não errava. Ayrton era perfeito. Mas ao prestar atenção no Galvão Bueno, a essa altura desesperado porque o socorro não chegava, reparei que não era o Hill…

Era o Ayrton. E eu rezei, rezei para que ele saísse do carro, muito irado pela Williams tê-lo deixado na mão de novo na temporada. Rezei pra que, no máximo, ele tivesse arranhões que band-aids curam. Rezei até ver todo aquele sangue espalhado no chão. Era muito sangue. Nunca tinha visto tanto. Nem em filmes.

Aí comecei a rezar para que fosse mentira. Não era possível. Qualquer um morre, mas o Ayrton não. Ele era imortal. Ele sempre esteve lá, fazendo milagres com carros que não era bons, desenvolvendo os carros até o limite da perfeição, arrancando desempenhos que ninguém esperava, fazendo leituras de coisas que para leigos e até mesmo outros pilotos passavam imperceptíveis.

E então, veio o plantão e a voz de Roberto Cabrini (coitado, sei que não tem nada a ver, mas nunca mais consegui prestar atenção em qualquer coisa que ele disse depois disso, simplesmente para não ter que lembrar.) dando a notícia que ele não queria dar e eu – e ninguém – queria ouvir.

Eu não chorei. Entrei em choque. Para mim, era mentira. Alguém ia entrar no ar e dizer: “Primeiro de abril atrasado gente. Ele está bem, vai perder duas ou três provas, mas está bem.”

Minha mãe chorou como se tivesse perdido um filho. O céu ficou nublado, parecia que viria um baita temporal.
Foi a primeira vez que eu entendi o que era a morte. E já tinha 16 anos. Não sei se foi sorte ter esperado tanto para compreender. Ou se foi azar porque ao compreender a dor era muito maior. Perceber, de repente, que por causa de uma barra de direção quebrada, ele nunca mais estaria ali. Nunca mais. Para sempre. Doeu muito. Dói muito.

A maior virtude do Ayrton foi ter motivado pessoas a quem ele nunca viu pessoalmente. Nunca conversou. Mas estas pessoas acordavam de madrugada, cedo, simplesmente para vê-lo ser nas pistas o que todo brasileiro sonhava: vitorioso, honesto, justo (mesmo nas injustiças) e trabalhador. Ele era bom exemplo. Ele nos fazia acreditar que se esforçássemos poderíamos ser melhores, ser campeões nas nossas habilidades.

E hoje, depois de tantas matérias, tantos programas, tantas homenagens, eu ainda surpresa me vi tentando ignorar. Eu fiz a minha monografia, o trabalho de conclusão do curso de jornalismo sobre ele, sobre por que ele se tornou um mito.

Eu estive em São Paulo para conversar com o pessoal da Torcida Ayrton Senna. E ouvi a pergunta: “Você vai no Cemitério do Morumbi?” Não fui. Assim como, quando for à Itália, não irei a San Marino, não irei à Ímola. Não quero ver.

O motivo é simples: porque doia na época. Doeu seis anos depois, quando escrevi minha monografia.

E ainda dói hoje. A injustiça de perder uma pessoa tão boa, tão humana (com defeitos e qualidades) e ver tanta gente ruim e cretina tornando miseráveis as vidas alheias.

E 15 anos são muito tempo. Eu saí do colégio, entrei na faculdade, escrevi sobre ele, saí da faculdade; entrei no mercado; troquei três vezes de emprego; vi bebês se tornarem adolescentes; namorados partirem em busca de outros amores, namorados subirem ao altar, amizades se perderem e se construírem; graças a Deus só tive que dizer outro adeus doído e igualmente chocante, apesar de alguns sustos ocasionais; comecei a usar óculos, coloquei e tirei o aparelho, deixei crescer e cortei o cabelo, até mesmo conheci a internet, coloquei em casa e criei um blog que completou 4 anos.

O Brasil foi tetra, vice, penta e uma droga na última copa. O vôlei dominou o mundo. O Botafogo fez as Botafoguices de sempre, mas nada calou o amor por ele. Apareceram outros candidatos a melhor do mundo comandando um daqueles carrinhos coloridos. Um deles se entupiu de recordes e transformou a F1 numa coisa chata de doer.

Mas ninguém foi como ele. 15 anos. Muita coisa. Uma vida. A vida que eu tive, que nós tivemos e que ele perdeu naquela curva por causa de uma falha mecânica.

Quem quiser saber mais sobre ele, além dos DVDs e vídeos no Youtube, recomendo três livros.

* Caminho das Borboletas. Adriane Galisteu. São Paulo: Editora Caras, 1994
Parece piada. Livro da Adriane Galisteu e da Editora Caras. Antes de emitir um pré-julgamento, confesso que li. Afinal de contas, ela foi a última namorada. Minha mãe comprou e eu acabei usando na minha monografia. Lá tem uma versão para o que pode ter sido a última noite dele. O choque que ele sentiu com a morte do austríaco Ratzemberger na mesma pista que o mataria no dia seguinte. E o fato de que ele também gostava do Phil Collins, entre outras coisas…

* Ayrton Senna do Brasil. Francisco Santos. Editora Talento, 1994.
Francisco Santos é um jornalista português que acompanhou F1. Li este livro emprestado para fazer a monografia e é uma das minhas frustrações porque eu não tenho. E para um livro escrito tão perto da perda do Ayrton, ele é muito bom e muito completo. E muito opinativo, mesmo quando o autor discordou e se decepcionou com as decisões dele. Estou à procura. Se alguém achar, me avisa, por favor.

* Ayrton Senna – o Herói Revelado. Ernesto Rodrigues. Objetiva, 2004.
É a biografia mais completa. E que me deixou muito orgulhosa, porque trouxe várias coisas que eu já havia conseguido no meu trabalho e sem tantas entrevistas XD No entanto, tenho uma confissão: não li a parte final do trabalho. Não consegui. E mesmo tantos anos depois de ter ganho o livro no meu aniversário, ainda não li. E acho que talvez nunca leia. Não preciso. Eu vivi aquilo. Eu senti aquilo. E ainda sinto. E acho que sempre vou sentir.

Tina Turner estava certa. Ele era Simply the Best. Ponto final.


Arrivederci!!!

Beta

ps.: Eu precisava escrever sobre isso. Porque, mesmo 15 anos depois, eu não consigo chorar. Temo que não haja lágrimas suficientes para esta dor. Obrigada pela paciência.

4 Comentários

  1. Catarina

    oi Beta, tb sinto muito e lembro perfeitamente do dia, onde estava e como me senti. Depois do Ayrton nunca mais vi uma corrida de Formula 1, e olha que eu acorda na madrugada pra vê-lo correr do outro lado do mundo.

  2. Lizamay

    Beta, eu estava grávida de quase quatro meses, no dia fatídico. No momento em que o carro bate no muro e começa a girar, girar – essa cena nunca mais saiu da minha cabeça – eu já aguardava o pior. Quando finalmente o carro pára, a cabeça de Sena pende para um lado…ali eu tive a certeza da morte. Foi algo muito ruim, uma sensação de horror. Eu estava na casa de minha mãe, na cozinha – ela tinha uma tv pequena lá – e lembro de gritar “Ele morreu, ele morreu!” diversas vezes, e a partir dali comecei a passar mal. Como era domingo, eu procurei o meu médico no dia seguinte, e pela ultrassonografia, o neném já estava morto. Fiz uma curetagem e chorei muito, de soluçar mesmo, durante os dias de cerimônias até o enterro.
    Nunca esquecerei, e acho que pra todos os brasileiros q acompanhavam a fórmula 1, esse dia será inesquecível.

  3. Unknown

    Entao.. tenho acompanhado seu blog ha um ano. Como estou fora do pais, quase morro de felicidade quando consigo achar os livros indicados na internet e morro de frustracao com os q nao dao certo. Ainda tenho uma preguica de ler os romances agua com acucar em ingles, parecem nao ter graca. Mas, vim aqui postar sobre sua resenha do ano passado, q vi este ano e fui la ler o livro da Galisteu. Foi mesmo um aemocao. Comecei a ler o Heroi revelado. Sou tao chorona. E hoje cedo, fiquie pensando… pensando… realmente ficamos orfaos. Nunca vi tanta coragem e dignidade reunida. Estou escrevendo as lagrimas,(um feito para uma virginiana racional, rsrsrs) e pensando se num futuro distante ainda teremos um heroi. Ser orfao nao e nada facil. Beijos Beta.

    Ester

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