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Cap. 1069 – Cowboys do Asfalto – Gustavo Alonso

Ciao!!!


Todo ano busco um autor
nacional para publicar no 7 de Setembro. Em 2015, decidi falar sobre este livro
que concretiza um projeto que também tenho
(Doutorado, me espere, um dia chego aí!)
. Ele me chamou a atenção por causa
do meu histórico familiar e profissional, além de saber que era um tema muito
incomum na área acadêmica.
Ou seja, o trabalho do Prof.
Doutor Gustavo Alonso merece meu reconhecimento e aplausos, pelas dificuldades
que posso imaginar ele enfrentou e superou.
Cowboys
do Asfalto – Gustavo Alonso – Civilização Brasileira
(2015)
“Peraí, um acadêmico parou
para estudar a evolução da música sertaneja, em paralelo com a situação vivida
pelo país entre meados do século 20 e início do século 21”.
Pode parecer bobagem, mas
isso é muito representativo. Infelizmente na nossa seara acadêmica, alguns
temas ficam relegados ao esquecimento, à omissão ou ao estereótipo associado às
pechas pregadas aqui e ali ao longo dos anos. Quando falei que minha monografia
(em alguns estados conhecida como TCC) do fim de curso de Jornalismo seria
sobre esporte ouvi o imediato “mas você não pensa em falar sobre algo sério,
não?” de muitas pessoas. Detalhe, isso foi em 2000! Ainda bem as coisas
evoluíram, ainda não estão maravilhosas, mas temos mais pessoas estudando e
garimpando temas interessantes.
E o que isso tem a ver com
esporte? Nada e tudo, posso garantir. A semelhança está no fato de temas que ficaram
condenados por décadas à caixinha do “ópio do povo”, “instrumento de
alienação”, “mau gosto”, “desinteresse dos estudiosos” merecerem pessoas que
dedicam anos da vida a buscarem novos olhares e entenderem o fenômeno além
destes crachás que foram colados neles.
É o que o Gustavo Alonso fez
em “Cowboys do Asfalto”, livro inspirado na Tese de Doutorado defendida por ele
que traça uma visão social, política, econômica do Brasil ao narrar a
trajetória do surgimento, criações, explosão, consolidação e permanência da
chamada “música sertaneja” no país. Não é um tema inédito, ele mesmo cita
outros trabalhos e livros sobre o tema. No entanto, este trabalho busca
estender o campo, incluir algumas omissões registradas anteriormente. Para quem
não conhece a área ou tem apenas informações superficiais ou mesmo quer estudar
algo nesta linha, é uma excelente referência.
O primeiro aprendizado vai
ser entender a dinâmica e a relação de desprezo que os sertanejos causavam nos defensores
da música caipira, que seriam as modas de viola, com temas voltados aos valores
e à vida do homem do campo, a música de raiz, a música tradicional. Já a
chamada música sertaneja reuniu vários estilos que adotaram influências
estrangeiras, seja do México, do Paraguai ou do Country americano, não só nas
letras, como nos instrumentos e até na forma dos cantores se vestirem. E
abordando temática mais ampla, inclusive o amor e o sexo se tornam mais citados
que o homem do campo. Muitas vezes, as duplas ou cantores até perderam o
referencial rural ao fazer sucesso na cidade grande (embora, na maioria das
vezes, também não foram aceitos de braços abertos na área urbana).
O livro detalha também o uso
político e a postura política de muitos cantores e duplas sejam caipiras ou
sertanejas em períodos cruciais recentes da história brasileira. Seja na
ditadura ou no governo Collor, eles foram demonizados como se fossem os únicos
no país que tivessem levantado esta bandeira – como o autor demonstra que eles
refletiram uma tendência social de momento. E como estes tópicos foram omitidos
à medida que os bastiões do estilo foram reescrevendo a própria história e
descartando aquelas páginas que não eram mais convenientes.
Outro ponto interessante é o
peso dos meios de comunicação – ele destacou mais o papel das TVs – na
consolidação do estilo sertanejo, entre meados das décadas de 1980 aos anos
iniciais de 1990, quando explodiu o sucesso “Fio de Cabelo”, de Chitãozinho e
Xororó, seguido de “Entre tapas e beijos”, de Leandro & Leonardo e “É o
amor” de Zezé Di Camargo & Luciano. O sucesso e o surgimento de várias
duplas foi recebido com um grande rancor dos analistas, especialistas e músicos
de outras áreas, como a MPB e o Rock. A crítica batia pesado com argumentos que
variavam da falta de talento, ao mau gosto e à demonstração de como a indústria
cultural pegava algo puro e de valor (a música caipira) e reproduzia em cópias
deturpadas de valor e de originalidade para o consumo e conformidade das massas,
este conjunto indistinto de pessoas que era induzido a pensar que isso era bom.
(Aquele momento onde me dou
conta que quase 20 anos depois, eu ainda estou falando das teorias de Adorno e
Horkheimer e da Escola de Frankfurt que aprendi lá no início do meu curso de
Jornalismo. Uau)
Enquanto
isso, o trabalho quase de garimpagem rende vários momentos inesperados ao
leitor. Vocês sabiam que uma dupla sertaneja teve um filme que fez sucesso na
China na década de 1980? Sabiam quantas músicas sertanejas apareceram na TV
Globo entre final da década de 1980 e meados de 1990? Sabiam que um cantor
famoso por ser uma das vozes mais tradicionais da música regional e caipira
compôs um jingle que ainda é usado até hoje? E do quanto os sertanejos
precisaram, em momentos variados, da chancela de vozes da MPB para ganharem
espaço? E sabem mesmo por que os cantores mais recentes são chamados de “sertanejos
universitários”? Conseguiram perceber como entre 1980 e 2015 muita gente mudou
de opinião sobre os sertanejos? E como os próprios sertanejos de diferentes
fases mudaram de opinião sobre si mesmos e sobre o trabalho dos colegas?
Por
exemplo, eu nunca havia atinado que Geraldo Vandré era o autor de Disparada! No entanto, tem uma parte
aqui que #MadreHooligan amou. Porque finalmente alguém deu o respaldo de algo
que ela sempre disse: que havia música caipira e sertaneja BEM ANTES de Sérgio
Reis, que meio que se criou um “senso comum” de que tudo surgiu com ele. #MadreHooligan
sempre disse que ele era da Jovem Guarda e que, ao notar que o movimento estava
enfraquecendo, adotou o visual cowboy. O livro detalha como foi este processo e
o contexto em que se realizou.
Aliás,
quando citei histórico familiar e pessoal no início, passa justamente por
#MadreHooligan, que é fã de carteirinha de Chitãozinho e Xororó (já até comentei
antes aqui sobre isso e é o motivo pelo qual sei muito da carreira deles).
Aliás, segundo #MadreHooligan, a minha avó conheceu a dupla quando eles ainda
eram novinhos e cantavam músicas influenciadas pelo estilo paraguaio e se
apresentaram aqui na minha cidade. E trabalhei em rádio por sete anos. Aliás,
foi assim que eu percebi que conhecia mais sertanejo que imaginava, porque
ouvia as músicas todo dia. Quase uma absorção por osmose. Claro que não gosto
de todas, é algo impossível. (Tenho verdadeiro HORROR a “Entre tapas e beijos”
por causa de uma vizinha que comprou o LP – sim, LP, era o que havia muitos
anos atrás, tá, geração do download! – e só ouvia essa música na maior altura.
Tenha dó. Cada qual resolva seu loop mental sem obrigar os vizinhos a sofrerem
junto, né?) E adoro Victor & Leo. As músicas deles – especialmente as que
estavam na trilha da novela Paraíso – embalaram uma fase da minha vida. E nem
queiram saber quantas vezes cantarolei Vida
Boa
.
A
única observação que faço é que ao citar a explosão de “Ai se eu te pego” do
Michel Teló, o livro perdeu mais uma chance de reforçar a necessidade que o
sertanejo tem uma chancela de algum referencial poderoso (somando a vários outros
momentos que ele citou ao longo do livro). Afinal de contas, a música só teve a
repercussão mundial depois que Cristiano Ronaldo e Marcelo fizeram acoreografia após um gol do português em um jogo do Real Madrid. O Marcelo descobriu
a música, levou para tocar no vestiário, Cristiano Ronaldo viu, gostou e decidiram
dançar se saísse um gol e deu no que deu. Como o jogador português é lançador
de tendências, todo mundo quis saber o que ele estava dançando. Rendeu até
visita do Michel Teló ao centro de treinamento do Real Madrid. A menção a
Cristiano Ronaldo foi feita breve e indiretamente, através de uma citação de um
elogio a Michel Teló feito por Caetano Veloso em uma coluna de jornal.
É
uma gota d’água em um trabalho detalhado, quase hercúleo, despir a mente dos
preconceitos para buscar, garimpar os referenciais necessários para esta
análise. Como o autor mesmo cita, boa parte do tema abordado sofreu sendo
relegado à margem, à omissão seja dos acadêmicos, das “elites pensantes”, das
gravadoras e dos meios de comunicação. Ele facilita a vida de quem vier a
partir de agora, por fornecer uma análise que oferece vários pontos de vista,
pontos e contrapontos, não defende e não demoniza, cumprindo o objetivo de
traçar esta linha evolutiva do sertanejo dentro do contexto nacional.
Bacci!!!

Beta

3 Comentários

  1. renanthesecond2

    Beta, só espero que eu não veja nenhum livro defendendo a quase finada Banda Calypso. No meu conceito, para essa não há redenção possível!

  2. Sil de Polaris

    Zeus, eu sou uma dessas pessoas que não diferencia caipira de sertanejo: eu classifico ambos esses termos como iguais, sendo sertanejo para mim tudo o que canta sobre campo. Eu não julgo todo esse pessoal de décadas de 80 e 90 como sertanejos, sequer julgo que sejam countries, ou mesmo cantores ! Eles são muito artificiais e muito desafinados em minha opinião. Mas eu não desmereço esse livro como pesquisa.

  3. ADEMAR AMANCIO

    Apesar de não gostar de jeito nenhum de música-sertaneja,li o livro-tese e adorei.E de fato ele passou bem rápido pelos sertanejo-universitários,dizem que tinha um capítulo chamado Os netos de Franscisco,não encontrei…

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