Ciao!
Há pouco mais de um ano, eu li A coragem de não agradar, de Ichiro Kishimi e Fumitake Koga. Fiquei curiosa após ver o rapper Suga do BTS lendo no programa In the soop e adorei saber que tinha a edição em Português lançada pela Sextante.
Bem, cá estou eu de volta com a segunda parte da conversa entre o filósofo e o jovem sobre as ideias de Adler. Na verdade, já deve ter mais de um mês que eu terminei de ler o livro e a minha intenção era colocar esta resenha no final de abril e, talvez, em maio.
Só que o final de abril e maio foram “animados” demais na minha vida – muitas coisas para resolver, algumas preocupações exigiram demais. E eu tive um bloqueio de escrita para o Literatura de Mulherzinha. Tentei várias vezes e não saiu meia linha. Agora na paz das minhas sonhadas férias finalmente consegui destravar – como vocês podem ver pelo tamanho deste texto.
E este livro também faz parte da minha Meta de Leitura para 2023. E se te interessar, está disponível na Amazon
A coragem de ser feliz – Ichiro Kishimi e Fumitake Koga – Sextante
(Shiawase Ni Naru Yuki – 2016)
Personagens: o filósofo e o jovem se reencontram
Três anos após o primeiro encontro, o jovem está de volta. Inspirado pelas ideias de Alfred Adler, deixou de ser bibliotecário e se tornou professor, disposto a colocar o que aprendeu em prática. No entanto, a realidade bateu à porta e as dificuldades colocaram tudo que ele aprendeu em xeque. Por isso, estava de voltam disposto a mostrar ao filósofo que Adler não era viável na vida real.
“Simplesmente perdi a esperança em Adler – o que significa que perdi a esperança em você”
O jovem entendeu a teoria, mas não se deu conta imediatamente de que colocá-la em prática não seria um milagre automático. Ele imaginou que seria fácil encaixar as ideias de Adler na rotina dele como educador – só que obviamente houve conflito. Não se muda uma realidade de sopetão com ideias que contestam justamente as bases que a sustentam em pé.
Por isso, ao enfrentar dificuldades onde ele esperava ter uma vida mais fácil, o jovem se revoltou contra o filósofo, porque sentiu que caiu numa “propaganda enganosa”. Por isso, foi novamente atrás dele disposto a mostrar de todas as formas que as ideias que norteiam a vida dele são impraticáveis na vida real.
“As ideias de Adler são certamente extraordinárias. Elas colocam em xeque nosso sistema de valores e nos levam a sentir como se o céu nublado acima de nós estivesse clareando; como se a vida mudasse. Parecem irrepreensíveis, a própria verdade universal. Mas a questão é que o único lugar em que elas se sustentam é bem aqui, neste gabinete. Uma vez que você abre a porta e mergulha no mundo real, as ideias de Adler se revelam muito ingênuas. Os argumentos que apresentam são impraticáveis, apenas idealismos superficiais. Você inventou um mundo que atende aos seus propósitos aqui nesta sala e se deixa levar por devaneios. Não sabe nada sobre o mundo real e as pessoas que vivem nele!”
Tudo começa com respeito
O filósofo conversa detalhadamente com o jovem sobre o erro comum relacionado às ideias de Adler: a má interpretação que leva aos conflitos – e a falta de coragem para seguir em frente diante das dificuldades.
A partir disso, todos os pontos que o jovem apresenta são rebatidos de forma argumentativa, nunca impositiva. O filósofo explica onde estão os problemas que levam ao conflito com as ideias de Adler e aponta as dificuldades de não “comprar totalmente a briga” para colocar as ideias em prática.
Ele detalha que a educação deve ensinar os indivíduos a serem autossuficientes. O primeiro passo é o respeito, o ponto de partida para a pessoa se sentir encorajada. E o filósofo completa que duas coisas não podem ser impostas – respeito ou amor.
“Olhar para aquelas pessoas, que é insubstituível e absolutamente singular no mundo, vendo-a como ela é. [Erich] Fromm acrescenta “Respeito significa se preocupar com que a outra pessoa cresça e se desenvolva como é”.
E o respeito desencadeia outras atitudes, como se preocupar com as preocupações dos outros, ou como explica Adler “ver com os olhos dos outros, ouvir com os ouvidos do outro e sentir com o coração do outro”.
Esta compreensão leva a uma habilidade exigida e mal interpretada atualmente – a empatia. Quando aprendida de forma correta pavimenta o caminho para a coragem.
Coragem para caminhar em frente
O filosofo reforça que as pessoas atribuem grande peso ao passado, sem se atentar que o seu “eu agora” é que decide o próprio passado – ao reforçar ou esquecer determinados momentos da própria vida. Este é um dos pontos de vista diferenciais na filosofia alderiana: não somos comandados pelo passado.
“Embora possa soar rude, pode-se dizer que ela está se embebedando com o vinho barato da tragédia para tentar esquecer a amargura de um presente infeliz”.
O filósofo apresenta ao jovem o prisma alderiano onde estão escritos: “aquela pessoa malvada”, “Coitadinho de mim” e “o que devo fazer de agora em diante?”. São síntese dos comportamentos mais comuns das pessoas ao identificar algum problema – e podem guiar as consultas com os especialistas.
No caso de optar por aprofundar sobre o que fazer depois de tudo que aconteceu, exige reflexões profundas não só sobre os sentimentos diante de alguma situação, como também sobre como reagir conforme as circunstâncias.
O filósofo e o jovem debatem sobre as aplicações desses conceitos no ambiente escolar, o que leva à explicação sobre os cinco estágios do comportamento problemático, que são decorrentes da necessidade de obter uma posição especial na comunidade onde se está inserido – ratificando a sensação de pertencimento ao grupo:
- 1 – Necessidade de ser admirado
- 2 – Me elogiem
- 3 – Luta pelo poder
- 4 – Vingança
- 5 – A prova de incompetência
Segundo o filósofo, a maioria vai até o terceiro estágio. No caso das escolas, os professores e educadores devem identificar e orientar para impedir que avance até os dois últimos casos, quando os estudantes deixam de se interessar pelo que está no entorno, por medo de se magoar ainda mais, já que não são especiais o suficiente para se destacarem no grupo.
O filósofo retoma o tema do respeito, comenta sobre as armadilhas do elogio e da punição, além de falar que o estímulo à competitividade só causa problemas. Segundo ele, as pessoas deveriam entender a vida como uma maratona onde o objetivo é cruzar a linha de chegada, pouco importa o local. Ao invés de competir, cooperar.
“Não competimos com ninguém; não se ganha nem se perde. Não importa se há diferenças de conhecimento, experiência ou habilidade entre você e os outros. Todas as pessoas são iguais, independentemente do desempenho escolar ou profissional, e é no próprio ato de cooperar que a construção da comunidade faz sentido”.
O filósofo destacou que isso tudo passa a fazer sentido a partir do momento que a gente olha para as nossas próprias motivações: complexo de salvador ou pretensa superioridade diante do outro. Ao chegar ao fundo dos motivos, esbarramos com o que deveria acontecer: a sensação de amizade verdadeira que é a base do sentimento de comunidade. Construir relacionamentos é uma tarefa de vida.
Para tudo isso é necessária coragem de fazer a escolha de ser feliz e atuar plenamente para o mundo onde o amor determina as pautas. Por isso que o jovem surtou com a “impraticabilidade” das teorias de Adler. Ela exige uma sociedade bem mais avançada não em tecnologia, mas no básico do básico que ficou soterrado em meio à evolução material.
“A Bíblia diz não apenas para amarmos o próximo, mas para amá-lo tanto quanto amamos a nós mesmos. Se nós não conseguirmos nos amar, não seremos capazes de amar o próximo. Se não conseguirmos acreditar em nós mesmos, não seremos capazes de acreditar nas outras pessoas. Por favor, pense na frase com esta conotação. Você afirma que não consegue acreditar nas pessoas, mas isso é porque não consegue realmente acreditar em si mesmo”.
Na reta final a discussão chega ao título: a coragem de ser feliz passa pela compreensão plena do amor e do impacto deste amor para realmente mudar a sociedade. As ideias de Adler dialogam com vários outros setores e exigem uma mudança profunda, que só ocorre a partir do momento em que se decide adotá-la, assumindo tudo que ela exige e traz em retorno à nossa existência e de quem estiver no nosso entorno.
Ninguém disse que era fácil. Não é à toa que os dois livros têm a palavra “coragem” no título.
– Links: site da editora; Skoob.
Arrivederci!!!
Beta