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Cap. 957 – The Normal Heart – Larry Kramer

Ciao!!!


The Normal Heart apareceu na minha vida primeiro em uma notícia do
O Globo”.
Depois, em meio à agenda da Copa do Mundo, peguei o filme pela metade no
intervalo entre duas partidas. Era uma cena comum, dois homens conversando
sobre ativismo, amor, tratamento, riscos, enquanto um toma sorvete e o outro arruma
a sala. Até que há uma reviravolta e a cena termina com uma revelação
bombástica. Não tive coragem de trocar de canal até acabar. Depois, fui pesquisar
horário para ver desde o início. Não precisou muito para eu correr atrás da
peça. E finalmente, ela está aqui, em uma data simbólica, para lembrar a
importância de não baixar a guarda para a Aids,  que não tem cura.
The Normal Heart – Larry Kramer
Nick Hern Books (NHB)
(2011)
O
livro é a transcrição da peça apresentada em 1985 na Broadway, mencionando outras
montagens, como o revival de 2011 na Broadway, a montagem de 1986 na Inglaterra
e a adaptação para a TV pela HBO. Antes do texto, constam informações sobre o
autor, detalhes como o período em que a peça se desenrola (entre julho de 1981
e maio de 1984, com direito à cronologia das cenas), informações que estavam
nas paredes do cenário, falando sobre os números da doença, o pouco destaque
que recebeu da imprensa; algumas mudanças que a montagem de 2011 fez no cenário.
A primeira
dúvida que me esclareceu é de onde o autor tirou o título “The Normal Heart”.
Ok, sei que todos entendemos após ler a peça ou ver o telefilme, que é uma
história sobre amor e igualdade para poder amar, sobre política, sobre saúde,
sobre vida e sobre morte. Algo que afeta a todos, independente de orientação
sexual. A resposta veio na epígrafe, que é trecho do poema “September, 1, 1939
de W.H. Auden, uma referência a algo que será mencionado em uma cena da peça: a
2ª Guerra Mundial. O paralelo com a inércia que levou ao Holocausto (Ned Weeks,
o escritor-ativista protagonista, é de família judia).
Afinal
de contas, o texto é totalmente partidário da visão da luta e do confronto por
um ideal: o de conseguir atendimento para impedir que a Aids se espalhasse no início dos anos de 1980. Ele
foi escrito por Larry Kramer, um ativista que viveu grande parte das cenas no
início da epidemia do então tachado “câncer gay”, ele perdeu pessoas e
sobreviveu para contar a história. É a versão dele, que é forte, intensa, sem
meias palavras e sem poupar todos os setores envolvidos. 



Ele esbraveja contra
os governos de Nova York e dos Estados Unidos, que não moveram uma palha
enquanto a doença esteve relacionada apenas aos gays; contra os próprios gays
que estavam mais interessados em correr risco do que abrir mão de um estilo de
vida que os estava matando um a um; contra os setores médicos que lavaram as
mãos até que não foi possível mais ignorar (e ainda afirma que a paternidade do
HIV foi roubada dos franceses por norte-americanos). E esbraveja é o termo
certo: o texto é direto, seco e muito agressivo (foi o tom que o Mark Ruffalo usou no filme para interpretar o Ned Weeks, alterego de Larry
Kramer na peça), algo que não conquistou muitos adeptos para a causa, inclusive
entre os próprios gays.
A peça
começa em 1981, com a revelação dos primeiros casos de uma doença ainda
desconhecida que afetava o sistema imunológico dos pacientes, tornando-os
frágeis a qualquer tipo de infecção. O escritor Ned Weeks conhece a Dra. Emma Brookner,
que está tratando dos pacientes e quer a divulgação dos casos como uma forma de
tentar prevenir a transmissão até que o agente causador seja identificado. No entanto,
a imprensa não se interessa – quando saem matérias, não tem o destaque
necessário para um caso tão grave. Ned e um grupo de amigos fundam o Gay’s Men
Health Care (GMHC) como forma de estabelecer uma frente de combate e
mobilização sobre a doença. 



O problema é que a forma de atuação do grupo é alvo
constante de divergências internas: Ned quer algo mais político e mais
agressivo, estilo “botar para quebrar”, e os demais integrantes, liderados pelo
presidente Bruce Niles, que era gay, mas não era assumido (ele temia as
consequências disso no emprego). A peça (e o filme) tem o tom “Ned contra tudo
e contra todos” agravado pela corrida contra o tempo quando Felix, o homem que
Ned ama, também é diagnosticado com a doença. 



Este confronto vai custar muito a
todos os envolvidos, vidas, desgaste emocional, frustrações, tudo aparece,
exposto por uma doença que paira sobre todos soando e sendo vista como uma condenação do que eles
são.
É duro, mas é o que The Normal Heart declara em alto e bom som: a
inércia dos governos de NY e Reagan em investigar as causas, em divulgar os
sintomas, tratando tudo como histeria de grupos isolados, condenou vários homens
à morte sem nenhum suporte, conforto e dignidade (em um determinado caso, o jovem
morto foi tratado literalmente como lixo – e ainda tiveram que ser gratos por
isso). Com apoio da imprensa, que divulgou outros casos de menor gravidade
quanto comparado ao crescimento do número de pessoas contaminadas pela doença. 



Seja
porque os jornalistas – inclusive os jornalistas gays – não queriam assumir a
matéria, ajudando a negar a realidade (que é a forma como Ned conhece Felix,
que era jornalista de moda e estilo do The New York Times), seja pela
influência política e social da época nas pautas jornalísticas. O motivo? Segundo
a peça escancara: os gays não atendiam ao padrão da sociedade conservadora e a
doença passou a ser vista como uma “ordem de extinção por ser quem são”, uma
forma de “purgar a sociedade da presença nociva deles” (eis algumas das teorias relacionadas ao início da doença nos EUA). 



A peça termina insinuando a virada – quando o
vírus é identificado e o assunto começa a ganhar destaque. Depois disso, os
governos percebem que homens e mulheres heterossexuais também estavam sendo
afetados – a doença, ao contrário da sociedade, não discrimina – e afetando
pessoas famosas. Quem viu Clube de Compras Dallas deve se lembrar do
primeiro fato mencionado no filme: a morte do ator Rock Hudson, expondo publicamente
as preferências sexuais dele (que era um galã de Hollywood), levou o assunto
para as manchetes dos jornais e televisões. Mas isso já era 1985. A peça afirma
que se esta mobilização tivesse acontecido antes, muitas mortes poderiam ter sido
evitadas.
*A minha primeira lembrança em relação à Aids
é que ela não tinha nome. Era sempre “morte por pneumonia” – se você foi
criança na década de 80 e prestava atenção nos jornais, vai se lembrar de
alguns casos em que essa causa da morte foi divulgada. Mas a lembrança mais
drástica foi a morte do Freddie Mercury, em 1991. Porque havia rumores de que ele
estava doente, mas ninguém sabia o que era. Aí um dia, o telejornal anunciou
que ele estava com Aids. No dia seguinte, o mesmo telejornal anunciou que ele
havia morrido. Na minha cabeça, foi um recado de como essa doença matava mesmo
(na época não sabia que ele já estava doente há pelo menos 3 anos, e só tornou
oficialmente pública às vésperas da morte). Até hoje não consigo ouvir “The
show must go on
” por me lembrar da tristeza daquele dia
*
A
vantagem de ter visto o filme do HBO e lido a peça é entender como o texto
teatral foi adaptado para a televisão. Óbvio que o meio interfere na forma como
a mensagem é apresentada. Momentos, personagens, locais que são condensados ou
meramente citados na peça foram detalhados no filme, com cenas específicas. 



Informações
que não constam no filme estão na peça (como uma escolha de Felix ao fazer o
testamento. Lembro que vi um texto criticando, mas na peça a decisão dele é explicada).
A peça resolveu uma curiosidade minha: a semelhança das frases que Ned escuta em
dois momentos cruciais: quando descobre sobre a doença ouvindo de um paciente
de Emma e quando Felix compartilha com ele a suspeita de estar doente.



Outro ponto
é que a peça amplia os laços entre alguns personagens: no filme é insinuado que
Ned estava interessado em Bruce, até encontrar Felix; na peça tem até
comentário de Bruce sobre isso; o filme mostra que há uma ligação entre Tommy e
Ned e a peça mostra o interesse de Tommy por Ned, novamente, até Felix chegar. 



Na
cena do 1º jantar de Felix na casa de Ned é dito muito mais que está no filme,
que, por sua vez, mostra muito mais do que é possível na peça. As mortes de
personagens secundários, mencionadas nos diálogos da versão teatral, ganham
impacto no telefilme – os efeitos da doença não são amenizados nem as
consequências.  
*As manchas pelo corpo são um dos sintomas
citados ao longo do filme da HBO para a imediata identificação dos pacientes
com o “câncer gay”. Vários personagens vão aparecer assim em diferentes
estágios da doença. E foi impossível não me lembrar de uma cena em Filadélfia,
quando as manchas se tornam assunto do depoimento do personagem do Tom Hanks no
julgamento. Essa cena me emociona até hoje, não importa quantas vezes eu veja o
filme. Mas aqui, as manchas se tornam uma porrada na cara do telespectador,
porque elas se tornam a condenação à morte de personagens, especialmente aqueles
com quem você passa a se importar
*
Algumas
cenas do filme não estão na peça, até mesmo aproveitando as necessidades da
adaptação do material para a televisão: o encontro de Emma com os gays quando
ela avisa sobre a suspeita de que a doença seja transmitida sexualmente; o
discurso de Tommy durante um velório (que também é de arrepiar: “eles
simplesmente não gostam da gente”); as cenas na praia; a da festa para
arrecadação de recursos e o trecho quando Felix percebe a gravidade da doença e Ned só se permite desabar quando está longe dele.



Outras estão lá praticamente sem mudanças no diálogo e
beneficiadas pelas possibilidades de representação oferecida pela TV: a cena
que me fez parar para ver o filme é uma delas. E a outra é a da discussão onde
Felix lembra a Ned que ele não pode forçar o sol a nascer (essa é outra das
cenas que causa arrepios de ponta a ponta, tamanha a quantidade de sentimentos
envolvidos e manifestados).
É um material que desafia qualquer ator seja no palco ou na TV. Eu já conhecia
o Mark Rufallo de outros filmes e nem preciso dizer nada sobre Julia Roberts,
né? Eu realmente não sabia do que o Matt Bomer era capaz, porque estava
afastada de seriados há séculos (ou seja, nada de White Collar na minha
memória) e confesso que quase não deu pra notá-lo em Magic Mike. E mesmo
assim, nem um nem outro estão perto do que ele se preparou para fazer no The
Normal Heart
. Como várias críticas disseram: Felix é o coração do filme/peça,
é quem vai fazer a gente se apaixonar, sofrer e lamentar através dele o destino
de vários outros homens e mulheres condenados pela omissão no início desta luta.
Matt entendeu e levou isso para todas as cenas. O Emmy premiou o filme, mas não
os atores. Espero que eles sejam valorizados no Globo de Ouro.
E o livro encerra com uma carta do Larry Kramer que foi distribuída todo mundo
que assistiu ao revival da peça em 2011. No texto chamado “Please know
(Por favor saiba que) ele detalha que várias cenas realmente aconteceram e
personagens foram inspirados em pessoas reais. Diz ainda que em todos os países
do mundo a doença é uma praga, mas nenhum a trata assim. Reforçou que os
políticos não investem o necessário, que os laboratórios lucram com a doença
que ainda não tem cura e muitas pessoas continuam morrendo todos os dias.

Não
sei se o livro de 79 páginas em Inglês está à venda no Brasil. Eu comprei, com
a ajuda da Andrea, na
Wook.
Sobre o filme do HBO, recomendo os textos postados no Série Maníacos e no Cinema e Argumento;
na Vogue;
no Huffington Post;
no Tumblr; e no
Salon,
uma entrevista com o autor sobre o processo de escrita da peça, que detalha como foram criadas cenas como a da caixa de leite.
E informações
sobre a Aids estão numa área específica do portal do Ministério da Saúde. Não se esqueçam: tem que prevenir para
não ter que remediar. Porque ainda não tem cura.
Arrivederci!!!

Beta

2 Comentários

  1. Sil de Polaris

    Uma praga que surgiu em nossas vidas quando eu era uma adolescente colegial de dezesseis anos, que nunca havia ouvido a esse respeito até esta enfermidade terrível começar a ser debatida e discutida em nossas aulas de formação humana. Eu lembro que senti raiva porque esse mal surgiu quando meu cinto de castidade estava apertando muito – justamente. Mas fui de raiva ao susto, refreando-me por anos.

  2. Paulistano

    Época bem complicada. Eu era adolescente e sofri muito preconceito na escola. Os meninos nem chegavam perto de mim achando que eu tinha AIDS. Eles achavam que pelo simples contato físico poderiam ser "contaminados". Eu quase enlouqueci pois virou uma paranoia pessoal e coletiva ! Mas sou forte e estou vivo…Ufahhh

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